Um dia vais perguntar-me porque é que não te calcei os sapatos ou porque é que não te penteei o cabelo. Um dia vais querer saber porque é que não te levantei naquele dia em que caiste ao chão e porque é que não deixei que ninguém te ajudasse a sentar. Vai haver um dia em que me vais perguntar a razão de te ensinar a cozinhar invés de te trazer umas marmitas prontas. Vais querer perceber porque é que não te vesti o casaco naquele dia em que estava a chover a potes ou porque é que chegamos atrasadas porque esperei por ti quando podia ter-te trazido a reboque numa corrida. 

Nesse dia vou sorrir por te ter ensinado a questionar sempre em vez de te ter dado as respostas de antemão. E nesse mesmo dia, quando te disser que te dei a enxada e não as batatas, como tu querias, vais perceber que afinal o que te ofereci foi só o melhor que consegui e que te podia ter dado. Sim, o processo é uma merda, dá um trabalho louco e parece inútil, (ainda para mais quando se pode simplesmente ligar para o uber eats), não viste beleza no caminho e não encontraste a praticalidade da coisa. Ainda. 

Numa outra altura vou perguntar-te como foi o teu dia e vais dizer-me que te desenrascaste com as ferramentas que te dei. E é isso, de repente afinal sabes as respostas, e a minha tarefa já vai estar cumprida.

Todos os anos, em família, fazemos um sorteio ao estilo do amigo secreto, para presentear quem estará presente na noite de Natal. A ideia é que todos ofereçam e recebam um miminho, que seja uma surpresa boa e que a malta se divirta. Isto vale para miúdos e graúdos, sem excepção: cada pessoa oferece/recebe um e um só presente.

Este ano, estou a tentar comprar os miminhos que me calharam em sorte (os que eu e os miúdos vamos oferecer), a pequenos artesãos, lojas de comércio tradicional e a pequenos negócios online que vou encontrando por aqui. Se tiverem sugestões giras, chutem por favor! 

E por aí, qual é a tradição no que toca a presentes?

Toda a minha vida sonhei em ter quatro filhos, mais concretamente quatro rapazes. Em casa dos meus pais, entre mãe e irmãs, eramos quatro e a renda em pensos higienicos (sim, ainda não se falava em copos menstruais, sou desse tempo!) não era coisa que me fascinava. 

Nasceu o Gui, tudo certo e depois nasceu a Lau, e cruzes canhoto que é uma menina. Passa o choque inicial e toca de fazer celeiro de laços e folhos em tule, que purpurinas nunca são demais e há todo um mundo rosa por descobrir. 

Agora, uma pessoa fala no terceiro e é doida porque "se já tens um casalinho, para que raio queres mais um? Só se for por deslize!".

PESSOAS QUERIDAS, 3 recados:

1- Em pleno século 21, falem-me em métodos contraceptivos que falham, falem-me em irresponsabilidade ou só em estupidez, mas não me falem em deslizes porque eu não acredito em deslizes!

2- Eu tenho um casalinho mas não estou a pensar fazer criação, e desta gaiola quem sabe sou eu (e eventualmente o pai, vá...).

3- Como diria a minha avó, se não têm nada de jeito para dizer, deixem-se estar só sossegadinhos dentro da roupa. 

E por hoje é tudo, despeço-me com amizade, e até à próxima publicação.

Quase nos 4!

Não sou o tipo de mãe que gosta de se sentar a brincar com os filhos. Culpa das terapias e das brincadeiras direccionadas. Culpa do olhar de terapeuta e não do olhar de mãe, quando corrijo o sentar ou um alongar da articulação. Culpa do cansaço, da impaciência e de mais mil e uma coisas que podia até, atribuir a este feitiozinho. E tudo bem, porque no final das contas, sento-me e muito, para brincar com eles. E se não brincasse tudo bem também, que com certeza entretém não iria faltar. Acontece que não só não gosto de o fazer, como me chateia o não ficar por ali a observar ou a tirar fotografias, sossegada sem grandes interferências. Chateia-me não achar banalíssimo a manipulação articulada de uma pinça ou o fazer bolinhas de plasticina por dar cá aquela palha. E chateia-me não dar por garantido todas as etapas do desenvolvimento e andar em busca de actividades com pontencial para fazer mas depois não se encaixam porque são todas by the book e para quem não segue linhas, não servem. Pudesse eu deixa-los a brincar sozinhos com lama, dois paus e uma chaleira de plástico, sem estar preocupada com o alongar do cotovelo ou com a pega, à esquerda, do bule e sentava-me muito mais descansadinha e com gosto, a brincar. Assim, sempre que faço a dança da vitória, quem se chateia comigo são eles...

Cá em casa ninguém sabe onde está nada. Ninguém sabe do casaco, dos sapatos ou dos chapéus. Ninguém sabe se há comida feita ou por fazer. Ninguém sabe o que cozinhar. Ninguém sabe o que faz falta no frigorífico ou no resto da casa. Ninguém sabe que há pó a acumular debaixo da cama, ou que há roupa por dobrar há seis dias. Ninguém sabe que tem que substituir o rolo de papel higienico quando termina. Ninguém sabe fazer mochilas nem sabe que tem que as desfazer quando chega a casa. Às vezes sabem que há tpc's para fazer, mas não sabem como nem quando. Ninguém sabe datas de reuniões, consultas ou horários de terapias. Ninguém sabe de nada, ninguém. Só a mãe.

Canseira.

Quando quiseres ir, vai. Quando precisares de ajuda, pede. Quando te disserem que não, desenrasca-te. Quando apanhares balanço, abranda. Quando caires, ri. Quando te levantares, respira. Quando fores, equilibra-te. Quando te perderes, pergunta. Quando te ajudarem, agradece. Quando puderes, retribui.

Não podes ser só isso, tens que ser mais e melhor porque há toda uma expectativa alheia para satisfazer.
Não podes ser cego, surdo, ou ter só uma perna. E se tiveres só uma perna, não podes coxear. Não podes ser gordo, nem magro, nem aceitar o que és. Não podes ser gay ou lésbica ou passar da linha que padroniza a heterosexualidade. Se fores mulher não podes conhecer, na pior das hipóteses, mais que dois pénis ao longo da tua vida. Se fores homem tens que ir construindo um curriculo sexual. Não podes morar sozinho. Não podes não querer ter filhos. Não podes ter um emprego menor e ser feliz com ele, é impossível. Não podes sacrificar a tua carreira pela tua familia. Não podes sacrificar a tua família pela tua carreira. Não podes comer mal. Não podes comprar comida feita. Não podes comer alimentos só de uma cor. Não podes pôr coentros no bacalhau à brás ou azeitonas no caril, esquece! Não podes não seguir a  carneirada. Não podes fugir à regra. Não podes resignar-te, não chega para ti. Não podes não falar. Não podes não querer estar no meio de gente. Não podes ficar sentado, tens que andar. Não podes andar, tens que correr. Não podes nascer diferente. Não podes tornar-te uma pessoa diferente. Tens só que ter uma boa dose de paciência, sorrir (não podes ser sisudo!) e seguir caminho.

Com o final do ano lectivo, regressou cá a casa o excedente do material escolar usado ao longo do ano pelo miúdo. Entretanto aproveitei para limpar e arrumar o que está em condições de ser reutilizado no próximo ano (já vai para o segundo, que o relógio não pára!), separei o que está bom para ser usado agora durante as férias (tubos de cola já abertos, restos de cadernos e material de desenho a dar as últimas) e deitei fora outras tantas coisas estragadas e sem utilidade à vista. A verdade é que se no início do ano me pareceu um exagero de material escolar solicitado, ver a quantidade de coisas que sobraram só me faz ter a certeza de que no próximo ano vou ser bastante mais cautelosa nas compras.

Com toda esta repescagem foi impossível não reparar que todas as canetas, lápis e cadernos se mantêm impecavelmente identificados, tendo em conta até que me fartei de arrancar etiquetas de lápis de cor minúsculos, para os substituir por novos, reutilizando-as também, e mesmo assim não se descolaram.

No ano lectivo anterior encomendei as etiquetas do miúdo à tiketa e este ano, resolvi adiantar-me e já tratei do assunto, até porque em Setembro já tenho mil e uma coisas em que gastar tempo e dinheiro! Adquiri um dos kits que estão à disposição na loja online, com a certeza de que no seleccionado constavam também os identificadores de mochilas e sacos, que salvaram a vida à lancheira do miúdo vezes e vezes sem fim. Imaginem que a lancheira desaparecia sem deixar rasto após os lanches apressados no campo de futebol e voltava a aparecer, não miraculosamente mas graças ao identificador, no dia seguinte no cabide do garoto. Ninguém adivinha as vezes que a criança me apareceu no portão da escola, de lágrima no olho, por ter perdido a lancheira!

Diz-se que o "trabalho feito não mete cuidados" e este já fica tratado! Como fazem por aí, resolvem estas coisas com antecedência ou gostam da adrenalina dos últimos dias?

A ti mãe, que tal como eu, acompanhas o teu filho diariamente à terapia, deixo-te 5 sugestões para manteres a mente arrumada e o coração mais tranquilo:

1. Tenta ajustar o horário para que um dos dias da semana fique livre. Encara-o como uma folga, tua e do miúdo. Todos precisamos de folgas para assimilar, para recuperar e para respirar mais devagar;

2. Usa o dia da "folga" para fazer pelo menos uma coisa de que gostes muito, algo que te faça feliz ou que te renove. Pode ser uma aula de yoga, de pintura, de boxe ou de copofonia com as amigas, desde que cumpra o objetivo;

3. Escolhe um dia da semana para seres "só" a mãe. Nesse dia não vais fazer de terapeuta, não há tpc da terapia nem há treinos de nada. Esse é o dia para dares colo sem posições específicas, para brincares sem técnicas disfarçadas e para simplesmente aproveitares o momento (eu fecho os olhos quando a minha se senta com as pernas em w - que venha daí alguém com um pau e me dê uma cacetada);

4. Delega sempre que puderes delegar. Tu podes e consegues fazer tudo sozinha, é um facto. Mas a troco de quê? Se puderes, distribui tarefas, pede ajuda, aceita que te substituam as vezes que precisares. Não carregues o mundo às costas sozinha se tiveres com quem partilhar a mochila;

5. Aproveita a companhia das outras mães das salas de espera! São boas ouvintes, dão dicas maravilhosas e também dizem disparates quando é preciso espairecer. Forma o teu gangue de mães e partilha experiências para que te sintas mais acompanhada.

"Cuida de ti" podia ser a sexta sugestão, mas acredito sinceramente que para além de ser o resumo das cinco anteriores é a fundamental. Sem culpas, sem dramas e sem desculpas.

E agora pergunto, há por aí mais sugestões para mim?

Ilustração via Pinterest

Sou o que se pode chamar de anti-social. Não sou dada a pessoas, não gosto de ajuntamentos, faz-me confusão a conversa de circunstância. Não tenho um ar simpático, não sou delicodoce, nem pretendo mudar nada disto depois de trinta e três anos de existência. Não vou a eventos com os quais não me identifico, nem a almoços/jantares só para marcar presença. Acho mesmo que já não tenho idade nem filtro para fazer este tipo de fretes.

Por outro lado estou disponível para os meus e até para os que nada me dizem mas que por afinidades diversas me vão aparecendo por perto. Estou por cá, mostro interesse em ajudar, pergunto, preocupo-me. Não me colo, não chateio ninguém nem imponho nada. Estou só disponível para dar uma mão caso haja necessidade e gosto que se sinta isso.

Percebo e agradeço que tal como eu, haja por aí uma boa remessa de anti-sociais para equilibrar todos os simpáticos e amorosos deste mundo. E percebo também porque é que os amáveis e invariavelmente pegajosos de tão disponíveis que são, nunca dão a cara em situações de aperto. No fundo serve a situação para se conseguir triar os que sempre e os que nunca, os que sim e os que nem pensar, os parentes e a família.

O mundo está cheio de gente sisuda e aparentemente emproada que vale muito a pena! Merda para os risinhos forçados, para os "está tudo bem, não está?" desta vida, e para a malta que só consome energia que era tão bem usada para outros fins.

Mais empatia, menos sinismo e éramos todos tão mais genuinamente felizes. Cruzes canhoto.

Não sei de onde vem a bravura. Não sei se nasce conosco, se a ganhamos conforme a vamos merecendo ou se a capturamos dentro de nós. Não sei se é eterna, se uma vez adquirida se perpetua no tempo ou se tem um prazo de validade definido. Recuso-me a atribuir-lhe uma escala ou a definir-lhe um patamar consoante a situação enfrentada. Não acredito que possa haver quem seja mais ou menos valente, como se de uma competição se tratasse.

O que eu sei é que mesmo tendo a alma blindada a coragem, há alturas em que uma névoa se apodera de mim. Às vezes, simplesmente, não me lembro dela, desta bravura de subtileza gigante, que  tenho, algures por aqui.

Deixei de me lembrar do significado do X que diariamente desenhava nas costas da mão como forma de lembrete para activar o escudo da valentia. Marquei uma posição. Doravante não me esquecerei mais.

O miúdo anda naquela fase do esticar a corda. Testa todos os limites, argumenta até mais não... enfim! É próprio da idade, já sei, mas podia ser um tanto menos exacerbado. Pior tem sido a sua capacidade de triar as exigências, demasiadamente materiais, especialmente nos últimos meses. Volta e meia lá sai um "vai comprar isto" ou "quero outro destes", sem sequer ponderar o custo de cada coisa ou se alguém terá que ceder em algum lado para que ele possa ter o que quer.

Depois de algumas estratégias falhadas, decidimos estipular um conjunto de tarefas, que a serem realizadas convenientemente, lhe darão acesso a um valor em dinheiro para que seja ele a pagar a mensalidade do futsal.

Contra todas as expectativas a coisa tem corrido bastante bem, e já há algumas tarefas (poucas, vá) que já nem tenho que o relembrar. A minha ideia inicial era fazer uma tabela com as tarefas divididas por dias/semana, mas a coisa ficou só pela ideia e não cheguei a fazer nada.

Entretanto lembrei-me da Oh, um projeto leiriense que tem uma série de apoios à organização familiar e após uma pequena pesquisa encontrei a tabela perfeita, com íman para colocar, por exemplo, no frigorífico, e atractiva o suficiente para que não passe despercebida. A verdade é que o miúdo motivou-se nisto de ajudar em casa e o facto do valor da mensalidade do futsal lhe sair do esforço que vai fazendo, trouxe-lhe uma responsabilidade acrescida.

Concluindo, todos temos tarefas estipuladas, o quadro está bastante composto, mas a única que repõe o papel higiénico na casa de banho, continuo a ser eu...

Aos meus filhos, 10 pontos sobre a maternidade, aquela de que vocês nunca vão criar memórias, mas que a mim nunca me sai da cabeça, muito até porque já vou ligada no piloto automático.
Em minha defesa, todos os pontos andam ali, taco a taco, com com muitos beijos (não são mais porque vocês não deixam), abraços, torres de panquecas de chocolate, e sopros de bolas de sabão!

1. Vou a (quase, vá) todas as reuniões da vossa escola.
2. Olho para as raízes dos vossos cabelos, diariamente, para ter a certeza que não andam a dar guarida a habitantes indesejados.
3. Calco-vos os sapatos à frente, à procura do dedo grande, para ter a certeza que ainda há lá espaço para ele.
4. A minha agenda pessoal tem mais anotações vossas do que minhas.
5. Escolho malas para mim que tenham bolsos extra para poder transportar as vossas tralhas.
6. Como os ovos estrelados com a gema rebentada e digo-vos que os prefiro assim.
7. Vou, finalmente, comprar umas calças para mim e acabo por comprar umas para cada um de vós.
8. Ponho a gravar na box da tv, tudo o que são desenhos animados e filmes infantis, para que os possam ver quando vos apetecer.
9. Vou, enquanto conduzo, a berrar com toda a gente no trânsito, como se isso fizesse com que chegasse mais depressa à porta das vossas escolas.
10. Mudo-vos a sopa de prato para que arrefeça mais depressa.

Com facilidade escreveria aqui mais uns quantos pontos mas no entretanto tenho um rolo de papel higiénico para trocar. Sim, sou eu que os troco sempre (e este já passa a ser o ponto 11).

Quando as mães falam são aborrecidas. Explicam coisas, tantas que da metade ninguém se lembra. São repetitivas. Batem na mesma tecla vezes sem conta, relembrando o casaco, o "obrigado" e o local exacto para deixar a roupa suja. Quando as mães falam são, vá, um bocadinho excêntricas, especialmente quando o tema é a cor dos cocós dos miúdos, ou o sítio onde os queridos filhos colam os macacos do nariz (pessoas, ninguém quer saber destas coisas, sim?).
Quando as mães falam, são chatas, são cheias de orgulho dos seus rebentos, são, às vezes, ingenuas, outras vezes exageradas...
As mães, quando falam, é para dizer que "ainda agora limpei isso", "essa torrada é minha" e "gosto muito de ti". Às vezes dizem que não sabem do chocolate que a avó ofereceu, mas tenho para mim que sabem muito bem.
As mães falam do esconderijo da tesoura de pontas redondas, falam do marido e falam das outras mães, com a mesma facilidade com que falam do preço da fruta ou de um par de sapatos.
E quando as mães não falam?
Quando as mães não falam ficam ali fechadas em caixinhas de origami, bem vincadas e à beira de um qualquer rasgão ao mais pequeno toque. Guardam as palavras, os anseios e as dúvidas, na mesma gaveta onde guardam desordenadamente as meias, no escuro e no silêncio.
Quando as mães não falam, tudo a volta parece mais limpo e luminoso do que o que lhes vai na alma, e não é assim tão difícil de parecer.
Quando as mães não falam, deixa de haver espaço para as lágrimas, e as palavras despejam-nas cá para fora, sem pudor nenhum. Se as mães não falam, "está tudo bem e não se fala mais nisso!". Penduram-se prateleiras na alma, mas não se expõem sentimentos.
Quando as mães não falam, alguém que lhes mostre que o peso das palavras deixa os ombros mais leves e o coração mais solto. E se mesmo assim as mães não falarem, deixem-se só ficar ali, atentos aos silêncios reveladores, porque não há mãe que se deixe ficar calada muito tempo.

Passo parte do meu dia em salas de espera de gabinetes, ora num sítio, ora noutro. Como eu, dezenas de outras mães passam pelo mesmo. Conhecemos-nos ali e dali. 

Talvez "conhecer" não seja a palavra mais correcta porque na verdade pouco sabemos umas das outras para além da distinção entre um olhar tranquilo, feliz ou angustiado. Não nos conhecemos, reconhecemos-nos.

Reconhecemos o olhar vítreo e aquela ruga de preocupação na primeira sessão de terapia. Reconhecemos os miúdos, o pai, a avó. Às vezes reconhecemos um tio ou uma amiga. Não lhes sabemos os nomes mas sabemos-lhes a força para soprar. Partilhamos as mesmas dúvidas, os mesmos desejos. Não partilhamos a família mas temos aquela sensação de pertença, como se o facto de nos cruzarmos todos os dias, no mesmo contexto nos unisse com um laço. Se não nos virmos num dia, perguntamos apenas a nós se estará tudo bem ou se terão apenas mudado a rotina. Preocupamos-nos. Somos um gangue silencioso. Pertencemos ao mundo umas das outras. E não há maior claque de apoio, mesmo sem alarido, quando nos apercebemos que mais uma etapa foi ultrapassada. Sem competição, sem lutas internas. Invade-nos aquele orgulho gordo, não por nós, por eles. Falamos pouco, não há tempo entre sessões, mas somos cúmplices, somos as mães. E as mães não podem ser de outra maneira. Estamos todas no mesmo balão.

Sobre o chavão Mãe Guerreira, quanto às outras eu não sei, mas para mim, não obrigada!

Ora vejamos, então uma mãe tem um miúdo que, certo, foge à definição de "criança" que vem nos livros, trata de ajustar-se a uma nova realidade, e isso faz dela uma mãe guerreira? Mas não é isso que fazemos todas? Ou a outra opção é dizer "desculpe mas se agora vai ser assim, não estou interessada!"?

Mães com super poderes somos todas, ou então nem é nenhuma porque na verdade o que nós somos é humanas, com todas as nossas limitações, falhas e dúvidas. 

Sou só eu que diante de um obstáculo, arranjo força para o derrubar quando não o consigo contornar? E o seu peso, só quem o empurra é que o pode quantificar! Quem é que me assegura que, aos olhos de uma mãe, um joelho esfolado, dói menos que uma pneumonia? Como é que se compara, no coração de uma mãe, uma fractura óssea a uma surdez profunda?

Pessoas, isto não é uma competição, nenhuma mãe é mais lutadora do que outra.

Consigo acreditar que o chavão Mãe Guerreira possa ser atraente e que de alguma maneira nos consiga carregar o ego quando achamos que não vamos dar conta do recado, mas também acredito que uma boa base de apoio, um delegar de tarefas e uma boa caneca de café (ou copo de vinho), consigam fazer todas as maravilhas que a sociedade nos incute quando nos atribui esta nomenclatura.

À expressão Mãe Guerreira eu associo quase automaticamente um peso pela responsabilidade da luta e uma frustração quando não atinjo o que me proponho e o que os outros esperam que eu atinja, e no fim, inevitavelmente, uma pena implícita.

Minha gente, a maternidade já é dura o suficiente sem este tipo de chavões. Já é frustrante e já é ameaçadora. Ninguém precisa de estar constantemente a ser lembrada do luta em que está metida. Eu não só não sou mãe guerreira como também não quero ser! O que eu quero é poder dividir os encargos, dedicar tempo de qualidade aos meus filhos e dar-me mais tempo. Isto não é um torneio, e a verdadeira vitória não se prende ao endeusamento de algumas mães! 

Somos todas elos da mesma corrente, e não há cá argolas mais fortes do que outras.

Nada contra as Super Mães, Mães Guerreiras ou Maravilhas, mas para mim é só Mãe! Obrigada!