E quando as mães não falam?

Quando as mães falam são aborrecidas. Explicam coisas, tantas que da metade ninguém se lembra. São repetitivas. Batem na mesma tecla vezes sem conta, relembrando o casaco, o "obrigado" e o local exacto para deixar a roupa suja. Quando as mães falam são, vá, um bocadinho excêntricas, especialmente quando o tema é a cor dos cocós dos miúdos, ou o sítio onde os queridos filhos colam os macacos do nariz (pessoas, ninguém quer saber destas coisas, sim?).
Quando as mães falam, são chatas, são cheias de orgulho dos seus rebentos, são, às vezes, ingenuas, outras vezes exageradas...
As mães, quando falam, é para dizer que "ainda agora limpei isso", "essa torrada é minha" e "gosto muito de ti". Às vezes dizem que não sabem do chocolate que a avó ofereceu, mas tenho para mim que sabem muito bem.
As mães falam do esconderijo da tesoura de pontas redondas, falam do marido e falam das outras mães, com a mesma facilidade com que falam do preço da fruta ou de um par de sapatos.
E quando as mães não falam?
Quando as mães não falam ficam ali fechadas em caixinhas de origami, bem vincadas e à beira de um qualquer rasgão ao mais pequeno toque. Guardam as palavras, os anseios e as dúvidas, na mesma gaveta onde guardam desordenadamente as meias, no escuro e no silêncio.
Quando as mães não falam, tudo a volta parece mais limpo e luminoso do que o que lhes vai na alma, e não é assim tão difícil de parecer.
Quando as mães não falam, deixa de haver espaço para as lágrimas, e as palavras despejam-nas cá para fora, sem pudor nenhum. Se as mães não falam, "está tudo bem e não se fala mais nisso!". Penduram-se prateleiras na alma, mas não se expõem sentimentos.
Quando as mães não falam, alguém que lhes mostre que o peso das palavras deixa os ombros mais leves e o coração mais solto. E se mesmo assim as mães não falarem, deixem-se só ficar ali, atentos aos silêncios reveladores, porque não há mãe que se deixe ficar calada muito tempo.


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