A casa da avó

A casa da avó cheirava à madeira antiga dos móveis, a um licor de tangerina que ela fazia quase clandestinamente, e a cera das velas. No quarto havia uma santa sempre iluminada, de rosto cadavérico e cabelos compridos que me arrepiava de medo, lado a lado com uma fotografia do Jacques Chirac, também ela iluminada, para que nunca lhe deixasse de pagar a pensão da França.
Na casa da avó cheirava a pastéis de bacalhau, os melhores do mundo, e a broas de batata doce quentinhas.
Os melhores lanches eram os da casa da avó, dos quais só éramos servidas se, as dezenas de plantas que tinha nas varandas, fossem regadas uma a uma. Havia sempre queijo da ilha e queijo fresco, que secava ao sol na janela da cozinha, presunto muito curado e broa de milho com manteiga. Havia o aroma do café de cafeteira, sumos de fruta e para ela, uma caneca de chá, que na verdade, nada mais era do que uma chávena de vinho tinto. Havia chocolate de leite, pevides de abóbora salgadas e torrão de amendoim, aos montes, no armário da sala.
A avó era divertida, colorida e inventava palavras novas. Distribuía moedas para comprar bolos, e caramelos de fruta, todos molengões, que já ninguém queria.
Com a avó íamos aos figos, aos caracóis e às bifanas. Não tinha dentes, e queixava-se sempre dos joelhos e dos joanetes.
A minha avó era a maior e a melhor, duas vezes, porque na verdade, era minha bisavó. E agora, a sua neta, que parece que lhe foi tirada a papel químico, a minha mãe, anda a ver se transforma a sua casa, na casa da avó.

-"Mãe, tu sabias que a avó nunca se zanga comigo?"
-"A sério? As avós são mesmo assim!"

A casa da avó, já foi arrumadinha, juro!

CONVERSATION

0 comentários:

Postar um comentário

Back
to top